Sustentabilidade é mera obrigação; precisamos ir além.

Tempos atrás escrevi aqui no blog sobre a importância de começarmos a enxergar a economia de forma circular, mais precisamente no formato de uma rosquinha, se queremos um viver sustentável e que dê conta de contribuir com nossa existência enquanto espécie, cuidar do planeta e respeitar os limites de recursos que temos disponíveis, e criar condições para que cada pessoa tenha garantido o mínimo de bem-estar e qualidade de vida. Leia o texto aqui.

Acredito que esse olhar que trouxe acima é indissociável da ideia de regeneração. Afinal, hoje em dia sustentável não pode ser mais um diferencial, mas sim um imperativo do qual partimos, vislumbrando ação ativa de transformação e não apenas contenção de danos.

Por isso, quero te convidar a pensar em caminhos para continuarmos a transição de um sistema degenerativo para um sistema regenerador, inspirado no esquema abaixo, proposto no livro Design de Culturas Regenerativas, de Daniel Whal.

Sustentabilidade

Certamente essa transição é acompanhada de uma mudança cultural. Afinal, já dizia Rubem Alves: “O que faz um jardim são os sonhos do jardineiro”.

Olhar Convencional

Sabe uma situação onde você pensa “preciso seguir as regras senão a justiça bate na minha porta?” Assim poderíamos descrever um olhar convencional. Ele desconsidera totalmente os impactos de nossas ações individuais no coletivo e na Natureza. E tomamos certas atitudes, muitas delas a contragosto, pelo medo da punição. Mas, se dependesse da nossa boa vontade, as coisas continuariam na mesma.

Quais são aquelas coisas da vida que você só faz só por obrigação? Possivelmente elas se encaixariam nesse olhar, que gosto também de chamá-lo de conservador. Aliás, eu mesmo tenho meus próprios conservadorismos tá. Não estou aqui pra pagar de santo evoluído não.

Olhar Verde

Gosto de pensar nesse olhar como uma tomada de consciência dos impactos das ações individuais no coletivo. Algo em nós diz que algumas escolhas e atitudes não são legais do ponto de vista coletivo, que poderíamos repensá-las e mudar comportamentos. Maaaas, sempre tem um ‘mas’ né… Mas será que faz sentido mesmo uma mudança? Talvez a gente faça uma concessão ou outra, mas não estamos seguros de emplacar uma mudança.

Imagine uma situação na vida até percebe que sabidamente descuida da Natureza, ou de outras pessoas, mas não está disposta a abrir mão 100% por conta dos benefícios que recebe?

Olhar Sustentável

Nesse momento, não só temos consciência dos impactos que algumas ações e/ou escolhas têm no coletivo e/ou na Natureza, como também percebemos que abrir mão significa perder alguns benefícios e privilégios.

A ideia de um ponto neutro no qual não se causa mais nenhum dano pode aqui ser vista como aquele velho ditado: “muito ajuda quem não atrapalha”. Então, fazemos escolhas conscientes entendendo que a perda que teremos é o preço para evitar os danos outrora existentes.

Qual foi a última situação onde você fez uma escolha consciente de mudar de hábitos a partir desse olhar sustentável?

Olhar Reconstituinte

Se num olhar sustentável a gente tá disposto a parar de fazer merda, pra não atrapalhar, aqui a gente começa a pensar e agir proativamente para as coisas melhorarem. Percebemos nossa potência e começamos a estar a serviço das causas que acreditamos. Sejam elas causas ambientais ou sociais.

Já falou, ou ouviu alguém falar, “Precisamos salvar a Natureza”? É um ótimo exemplo desse olhar. Porém, perceba que ao fazermos as coisas para o outro (podem ser indivíduos ou a Natureza), ainda estamos um tanto alheios à interdependência. Não temos uma visão clara de que apesar de sermos indivíduos únicos, somos indissociáveis do todo. Fazemos parte desse todo e nos impactamos mutuamente.

Olhar Reconciliatório

Aqui começamos a enxergar a complexidade da vida e percebemos que tudo, de alguma forma, está conectado. Somos interdependentes. Trago uma frase, que gosto muito, dita pelo monge budista Thich Nhat Hanh para exemplificar esse olhar:

Temos a palavra ser, mas o que eu proponho é a palavra inter-ser. Porque não é possível ser sozinho, ser por você mesmo. Precisamos das outras pessoas para ser. Não só precisamos de nossa mãe, pai, mas também tio, irmão, irmã, sociedade. E também precisamos do sol, rio, ar, aves, árvores, elefantes, etc. Então, é impossível ser por você mesmo, sozinho. Temos que inter-ser com tudo e todos. E, por isso, ser significa inter-ser.

Olhar Regenerativo

Ao nos percebermos como partes integrais da Natureza, e entendendo que enquanto sociedade somos um organismo vivo, podemos conscientemente desenhar sistemas sociais, econômicos, ambientais, etc., que levem isso em consideração. Ao invés de criar negócios que esgotam os recursos, pensamos em como os recursos podem ser reaproveitados e a capacidade da Terra regenerar, respeitada.

Desenhamos cidades que favorecem o bem-estar das pessoas e promovem uma integração com biodiversidade local. Pensamos sistemas políticos e sociais que deem conta de melhor ouvir as pessoas e encontrar soluções que aumentem o nível de bem-estar de uma população.

Se você estuda sobre o assunto, saiba que essa é uma releitura para tornar o tema mais acessível para a sociedade e dialogar com diversas realidades, trazendo uma perspectiva de transformação cultural.

Aliás, não nos enganemos achando que isso é coisa nova. Essa visão está super presente na cultura indígena, tanto brasileira como da América Latina. Inclusive, os estudos de onde esse olhar se baseia também bebem dessas fontes. Vale assistir esse documentário aqui e esse outro aqui sobre o povo Kogi e escutar pessoas como Ailton Krenak e Kaka Werá.

 

FONTE: UOL | Por Sérgio Luciano

 

 

 

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